PROJETO BONECAS NEGRAS COM PROJEÇÃO NACIONAL
Neste espaço, o blog A CASA DO OSCAR, reproduz reportagem especial produzida com as professoras Franquilina Marques Cardoso e Maria Marques, autoras do Projeto Bonecas Negras Referencial de Beleza e Valorização das Origens. O projeto vem destas educadoras gaúchas, ligadas ao Grupo Multiétnico de Empreendedores Sociais, organização não-governamental com sede em Brasília e filial em Porto Alegre. Acompanhe na íntegra a entrevista, publicada no Portal da Fundação Cultural Palmares/MinC com estas duas educadoras e militantes pela inclusão da igualdade racial.
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Brasília, 11/10/06 - Foi ao ouvir um diálogo entre duas meninas, uma branca e uma negra, que duas educadoras gaúchas se motivaram a produzir um projeto que valorizasse a auto-estima da criança negra. Mais de dois anos se passaram e o Projeto Bonecas Negras Referencial de Beleza e Valorização das Origens já percorreu cidades gaúchas e também já foi apresentado em Brasília. Confeccionadas com indumentárias africanas, as bonecas e os bonecos encantam os olhos de quem os vê. Mas não são um artigo mercadológico. São instrumentos de promoção da educação inclusiva. Uma prática que semeia por onde passa o amor as origens e o respeito a presença africana na formação da sociedade brasileira. Crianças de escolas públicas e particulares, vestidas com roupas africanas, desfilam ao som de música negra. No passar, a estrela das passarelas é a boneca. Não só a boneca é o destaque, mas sim toda uma proposta pedagógica e social. No mês dedicado à criança, o Portal FCP homenageia a todos os meninos e meninas, negros ou não, com esta entrevista especial. Nossas entrevistadas estão em Porto Alegre e atenderam a repórter Fernanda Lopes com entusiasmo. O entusiasmo de ensinar, de educar e de formar que as professoras gaúchas Franquilina Marques Cardoso e Maria Marques tem ao falar de um projeto que leva vida, saber, sonho e história:
1) Como surgiu a idéia de criar um projeto utilizando bonecas para tratar a questão racial?
Franquilina Cardoso: Após longo tempo de caminhada na questão da valorização da cultura negra como educadoras, sentimos um grande comprometimento de aprofundarmos nosso trabalho, através de atividades lúdicas tendo em vista o diálogo que ouvimos de duas crianças da escola infantil onde trabalhava (Frank). Uma menina negra disse a outra menina, loira, que ela brincava com uma boneca tão loirinha quanto ela. A menina negra então pediu a boneca loira emprestada e disse a amiguinha loira que ela não tinha uma boneca parecida com ela. Ao mesmo tempo, a menina negra disse que não gostava de ser negra porque não tinha uma boneca que se identificasse com ela. Aquela cena me deixou preocupada, porque demonstrou que a menina negra tem sua auto-estima fragmentada. Muito me preocupou por ver que este tipo de situação é bastante comum. Sendo assim, eu e minha colega de projeto, professora Maria Marques, tomamos a iniciativa de começar a pensar em desenvolver alguma atividade que pudesse incrementar a auto-estima da criança negra. Que a fizesse ser incluída também na sociedade. Esta invisibilidade das bonecas negras nos brinquedos nas escolas,nas vitrines, revistas e também na TV como referencial de beleza nos levou a refletir muito. Conscientes do fascínio que os mesmos e suas propriedades criam aos saberes e ao imaginário infantil foi que elaboramos este projeto.
Maria Marques: Após muita pesquisa, associamos nossa produção a confecção de bonecas negras com elementos de uma cultura, algo que vai além de uma apresentação material e mercadológica. Nossa mensagem não é somente lúdica mas também pedagógica,cultural e antropológica, porque se identifica com a realidade educativa dentro de suas diferentes dimensões, valorizando nossas origens, porque gostar de si é essencial para o bem viver. Nossa proposta fundamenta-se em estudos eobservações utilizando com base a Constituição Federal, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 10.639, Estatuto da Criança e do Adolescente.
2) Por onde o projeto tem sido realizado, quais são as reações de alunos e professores?
Franquilina: O projeto teve e tem uma caminhada muito significativa. Temos atingido um número elevado de instituições deste sua implantação. Hoje o projeto é divulgado e também realizado junto a Faculdade do Vale do Rio dos Sinos (Feevale), Centro de Ensino Superior de Cachoeirinha (Cesuca), instituições sociais, clubes e também junto a terreiros de religiões de matriz africana. Nosso projeto também foi apresentado em eventos estaduais e nacionais, no Rio Grande do Sul e em Brasília, voltados à Capacitação de Professores, Implantação da Lei 10.639, em escolas particulares e públicas. O Projeto Bonecas Negras também é implantado e apresentado em aproximadamente oito municípios do interior gaúcho.
Maria: Constatamos que todos aqueles que tem contato com o projeto reagem com surpresa. São momentos de euforia, de alegria, de entusiasmo, pois são colocados de frente com uma mensagem positiva, um referencial de beleza e um contato com suas origens. Salientamos não só o aspecto da satisfação em criarmos as bonecas e ver isso no registro dos adultos, que nos escrevem e pedem para contatar com o nosso projeto. Também vemos que os negros e os brancos também vêem nas bonecas a sua própria história de vida, onde nelas identificam aspectos familiares e traços biológicos de seus antepassados.
Franquilina: Para os professores o Projeto Bonecas Negras Referencial de Beleza e Valorização das Origens constitui-se numa ferramenta de trabalho. Pois possibilita o fortalecimento do auto-conceito de alunos e alunas pertencentes a grupos discriminados. Nosso trabalho promove a igualdade e encoraja a participação em todas atividades programadas, já que sua apresentação ao público se dá de forma dinâmica, onde os alunos desfilam, vestidos com roupas africanas. Eles apresentam as bonecas também vestidas com trajes típicos de nações africanas. Na maior parte das apresentações, após o desfile dos alunos, se promove um rápido debate, onde se detalha mais sobre o projeto, sobre a história dos países africanos representados e também se fala sobre o combate ao racismo e a promoção da igualdade entre negros e brancos, formadores da sociedade brasileira.
3) Houve resistência em aplicar o trabalho em alguma localidade
Franquilina: Não. Sempre temos uma receptividade grande junto às comunidades que assistiram a apresentação do projeto. Mas vemos que no mês de novembro, mês da Consciência Negra, o número de convites e pedidos para a apresentação do projeto aumenta muito. É um mês onde não temos finais de semana e feriados. Essa aceitação se justifica pelas apresentações que realizamos, onde crianças desfilam com as bonecas, ao som de músicas africanas, com muita alegria e animação. Nos desfiles, as estrelas são as bonecas, com suas roupas típicas e o colorido das roupas africanas encanta a todos que assistem ao trabalho. Também falamos sobre o surgimento da boneca no Brasil, ocorrido por volta de 1806, e também do surgimento das primeiras bonecas loiras no Brasil, na década de 50. As bonecas negras resgatam a sensibilidade, alegria, conhecimento da diversidade étnico-racial da população brasileira.
4) Como foi trazer o projeto a Brasília por duas ocasiões: uma na Semana da Criança no Ministério da Cultura, em outubro de 2005 e outra na Semana da Consciência Negra do Ministério da Educação, em novembro do ano passado?
Franquilina: Foi uma grata satisfação em receber o reconhecimento de nosso trabalho fora do Rio Grande do Sul, como o que ocorreu em Brasília. Nos foi de grande emoção sermos convidadas a apresentar o nosso projeto no Ministério da Cultura e também no Ministério da Educação. Através do Grupo Multiétnico de Empreendedores Sociais (GMES), organização não-governamental sediada em Brasília e com filial no Rio Grande do Sul, estivemos em Brasília não apenas nos eventos dos dois ministérios. Também participamos de eventos na Mostra Raízes Africanas, realizada no Conjunto Nacional, na Semana da Consciência Negra do Colégio Marista Jão Paulo II. Os eventos reuniram mais de 500 pessoas. E em especial no Ministério da Cultura, promovemos a Exposição das Bonecas Negras por duas semanas. Alunos do Colégio Marista e também do Programa Segundo Tempo, do Ministério dos Esportes, participaram de nossas atividades. Depois de estarmos em Brasília, também apresentamos nosso trabalho em eventos no Rio Grande do Sul. Hoje, temos convites para apresentar nosso trabalho no Mato Grosso do Sul. Contamos com o apoio de instituições locais para levar nosso trabalho até Campo Grande.
Maria: No Ministério da Educação, o Projeto Bonecas Negras teve uma presença marcante. Um dos momentos que mais me deixou tocada foi a visita de um funcionário do ministério, a qual se disse emocionado porque o nosso trabalho serviria de apoio para seu projeto de conclusão do curso de História, o qual cursava. A presença do ministro da Educação, Fernando Haddad, na abertura do evento trouxe a confirmação que nosso trabalho promove a Diversidade na Educação. Para nós, este projeto realiza nosso sonho de transformar o mundo em um espaço mais igualitário, justo e humano .A presença do projeto Bonecas Negras, Referencial de Beleza e Valorização das Origens nestes eventos nos leva a fazer uma reflexão muito profunda do comprometimento que temos como educadoras e, principalmebte como mulheres negras na contribuição do desenvolvimento da auto-estima,auto-imagem e da valorização do afro-brasileiro.
5) Que mensagem vocês deixam a todos os leitores do nosso Portal? È através da educação que se combate o preconceito racial ?
Franquilina: A educação é o caminho para a transformação da sociedade. Acredito que com o desenvolvimento de uma proposta pedagógica e lúdica que valorize e respeite a diversidade étnica-racial, cultural e social de cada individuo, cada criança vai encontrar o equilíbrio entre o real e o imaginário. Com isso, ela (a criança) vai alimentar a sua formação interior, para então se descobrir como um agente formador e reprodutor de cultura e de saber.
Maria: Em nome do Projeto Bonecas Negras, gostaria de agradecer a diversas entidades que apoiaram de alguma forma a apresentação de nosso projeto. Nosso agradecimento especial a Fundação Cultural Palmares e também aos ministérios da Educação, dos Esportes, Desenvolvimentos Social e Secretaria de Educação Continuada e Diversidade. Também agradecemos ao apoio do Grupo Multiétnico de Empreendedores Sociais e ao Colégio Marista João Paulo II. Agradeço de forma muito especial a equipe que produz o conteúdo jornalístico deste portal, o qual é editado pelo jornalista Oscar Henrique Cardoso e tem você, Fernanda, como repórter. Estamos sempre à disposição de todos para esclarecimentos e para informações sobre o nosso projeto. Obrigado pelo espaço.
SAIBA MAIS
O Projeto Bonecas Negras Referencial de Beleza e Valorização das Origens é desenvolvido pelas professoras Franquilina Marques Cardoso e Maria Marques. Você pode buscar mais informações sobre o programa, em contato com os e-mails: frank_cardoso@terra.com.br e marquesmz@yahoo.com.br. O projeto percorre não só o Rio Grande do Sul, mas também a todo o território nacional. Convites para apresentações, palestras e participação em seminários podem ser encaminhados para os dois e-mails acima.
Reportagem: Fernanda Lopes Correia, ACS/FCP/MinC
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