UMA HISTÓRIA AFIRMATIVA
Reconheço que ao ler este belo texto de Maria Helena Vargas da Silveira, e que estará impresso em seu mais novo trabalho, ROTA EXISTENCIAL, vi uma parte de minha própria história sendo representada ali. Uma história de vida, de luta e de orgulho por sua negritude. Como jornalista e também como alguém que está passando por aqui para contar uma história, quero dividir com vocês a leitura deste belíssimo texto, o qual conta um pouco da trajetória de Antônio Vasconcellos Marques, gente que fez, gente que deixa saudade....
OBITUÁRIO AFIRMATIVO
Nossa coluna que tem protagonistas em todos os dias que Deus faz amanhecer, informa e lamenta o falecimento de Antônio Vasconcelos Marques, aos 81 anos. Natural de Rio Grande, não era simplesmente mais um riograndino, mas a representação de muitos ideais de negros e negras da cidade que amava
Torna-se, o velho companheiro, um sopro de energia espiritual e nos deixa muitas lembranças que nos cabem perpetuar.
Órfão, ainda menino, conheceu a trajetória da vida, convivendo com alheios que lhe impulsionaram as ações voltadas para o trabalho, a honestidade e a crença nas suas e nas possibilidades dos outros, principalmente da população negra riograndina.
Movimentando paralelepípedos, iniciou a trabalhar, calçando várias ruas de Rio Grande por onde a sociedade passava indiferente, enquanto ele se fazia adulto e guerreiro, pensante, progressista.
Do calçamento das ruas passou a novos encargos, sempre idealista e acreditando que é possível construir um futuro melhor, investindo nas oportunidades, ainda que raras, de estudo e trabalho.
Carregou muito couro nas costas, no Frigorífico Swifft e depois envolveu-se com as atividades no Correio e na Inspeção da Alfândega, no porto marítimo de Rio Grande.
Em sua trajetória de negro trabalhador tinha a idéia fixa de realizar ações para o desenvolvimento dos negros e negras de sua cidade e arredores. Pensava muito sobre isso, pois achava que os negros estavam sem referenciais que os valorizassem, sem estima própria. E a começar por ele mesmo, para que pudesse se tornar um exemplo vivo e presente, lançou-se aos estudos e conseguiu ingressar na Faculdade de Direito que funcionava em Pelotas.
Durante quatro anos, andou no trem das cinco da manhã, de Rio Grande para Pelotas, até formar-se advogado, aos 56 anos. O dia da missa de suas Bodas de Prata com a Senhora Ivanoska Corrêa Marques, coincidiu com a data de sua formatura, proporcionando-lhe dupla felicidade.
Exerceu advocacia na Assistência Judiciária, onde atendia as pessoas desprotegidas, sem condições de pagar por qualquer serviço. Seu primeiro júri foi no município gaúcho de São José do Norte.
Depois de muitas causas atendidas e vitoriosas costumava receber “propinas vivas”, algumas galinhas carijós, dos galinheiros da agradecida e pobre clientela.
Na época, década de 50, existiam apenas 03 advogados negros, em Rio Grande.
Antônio Vasconcelos Marques foi professor voluntário, durante 10 anos, na Escola Marcílio Dias, onde atendia a maioria negra para alfabetizar. Fazia parte dos Bandeirantes da Alfabetização, juntamente com amigos que se dedicavam à causa.
Incentivava os estudos dos negros e negras, pois acreditava que estes possuíam condições intelectuais iguais aos não negros. Nas décadas de 50 e 60, quando chegava ao final de ano, fazia uma pesquisa nas escolas de Rio Grande e cidades do Rio grande do Sul, como Pelotas, Bagé, Jaguarão, Santa Maria e capital Porto Alegre, para saber quantos negros e negras estavam terminando cursos. Conseguia o endereço de todos e todas e organizava uma festa chamada Baile dos Formandos, no Clube Cultural Estrela do Oriente, onde os formandos e formandas recebiam homenagens nos discursos promovidos durante o evento e um diploma de honra ao mérito.
É possível que muitos doutores, mestres, licenciados, bacharéis, técnicos de várias áreas de Escolas Técnicas gaúchas, ao lerem este obituário irão voltar as lembranças para o Baile dos Formandos, uma festa de auto-estima de que tenham participado, promovida por Antônio Vasconcelos Marques.
Antônio foi presidente e fundador da Sociedade Cultural Estrela do Oriente que desenvolvia suas atividades na Rua Vice-Almirante Abreu.
Em sua cidade, participava ativamente da vida social e cultural da negritude, organizando festas, promovendo palestras. Freqüentava também a Sociedade Floresta Aurora Riograndina e outras expressivas entidades sociais como “Braço é Braço” e “Recreio Operário”.
Entusiasmado com o futebol, fundou e presidiu o Fortaleza Futebol Clube, com sede na rua Francisco Marques.
Referia-se com muito respeito ao Cedro, um bairro que, com o advento do Porto Novo de Rio Grande, foi sendo formado por muita gente vinda do interior do Rio Grande do Sul, com grande quantidade de famílias negras.
Antônio Vasconcelos Marques, viúvo há poucos meses antes da partida, deixa entre nós a filha Franquilina Maria Corrêa Marques Cardoso, os filhos Antonio Carlos Corrêa Marques e Angelo Albertino Corrêa Marques
Representou uma bandeira de luta pela família, pela auto-estima da população negra e pela crença de que todos e todas precisam de oportunidades iguais, para desenvolvimento de seus talentos.
A quem não estava acostumado a ler um obituário assim tão extenso, exponho minhas considerações de que, sendo este um jornal da negritude; e eu, a dona do editorial, uma negra pobre que não esquece das origens, há de convir que precisam ser destacadas as ações afirmativas dos cidadãos negros que outros jornais não o fazem, nem em vida... muito menos, na morte.
Antônio Vasconcelos Marques, descanse em paz, amém!
Nasceu em 5-09-1907
Faleceu em 22-04-1988
Nossa coluna que tem protagonistas em todos os dias que Deus faz amanhecer, informa e lamenta o falecimento de Antônio Vasconcelos Marques, aos 81 anos. Natural de Rio Grande, não era simplesmente mais um riograndino, mas a representação de muitos ideais de negros e negras da cidade que amava
Torna-se, o velho companheiro, um sopro de energia espiritual e nos deixa muitas lembranças que nos cabem perpetuar.
Órfão, ainda menino, conheceu a trajetória da vida, convivendo com alheios que lhe impulsionaram as ações voltadas para o trabalho, a honestidade e a crença nas suas e nas possibilidades dos outros, principalmente da população negra riograndina.
Movimentando paralelepípedos, iniciou a trabalhar, calçando várias ruas de Rio Grande por onde a sociedade passava indiferente, enquanto ele se fazia adulto e guerreiro, pensante, progressista.
Do calçamento das ruas passou a novos encargos, sempre idealista e acreditando que é possível construir um futuro melhor, investindo nas oportunidades, ainda que raras, de estudo e trabalho.
Carregou muito couro nas costas, no Frigorífico Swifft e depois envolveu-se com as atividades no Correio e na Inspeção da Alfândega, no porto marítimo de Rio Grande.
Em sua trajetória de negro trabalhador tinha a idéia fixa de realizar ações para o desenvolvimento dos negros e negras de sua cidade e arredores. Pensava muito sobre isso, pois achava que os negros estavam sem referenciais que os valorizassem, sem estima própria. E a começar por ele mesmo, para que pudesse se tornar um exemplo vivo e presente, lançou-se aos estudos e conseguiu ingressar na Faculdade de Direito que funcionava em Pelotas.
Durante quatro anos, andou no trem das cinco da manhã, de Rio Grande para Pelotas, até formar-se advogado, aos 56 anos. O dia da missa de suas Bodas de Prata com a Senhora Ivanoska Corrêa Marques, coincidiu com a data de sua formatura, proporcionando-lhe dupla felicidade.
Exerceu advocacia na Assistência Judiciária, onde atendia as pessoas desprotegidas, sem condições de pagar por qualquer serviço. Seu primeiro júri foi no município gaúcho de São José do Norte.
Depois de muitas causas atendidas e vitoriosas costumava receber “propinas vivas”, algumas galinhas carijós, dos galinheiros da agradecida e pobre clientela.
Na época, década de 50, existiam apenas 03 advogados negros, em Rio Grande.
Antônio Vasconcelos Marques foi professor voluntário, durante 10 anos, na Escola Marcílio Dias, onde atendia a maioria negra para alfabetizar. Fazia parte dos Bandeirantes da Alfabetização, juntamente com amigos que se dedicavam à causa.
Incentivava os estudos dos negros e negras, pois acreditava que estes possuíam condições intelectuais iguais aos não negros. Nas décadas de 50 e 60, quando chegava ao final de ano, fazia uma pesquisa nas escolas de Rio Grande e cidades do Rio grande do Sul, como Pelotas, Bagé, Jaguarão, Santa Maria e capital Porto Alegre, para saber quantos negros e negras estavam terminando cursos. Conseguia o endereço de todos e todas e organizava uma festa chamada Baile dos Formandos, no Clube Cultural Estrela do Oriente, onde os formandos e formandas recebiam homenagens nos discursos promovidos durante o evento e um diploma de honra ao mérito.
É possível que muitos doutores, mestres, licenciados, bacharéis, técnicos de várias áreas de Escolas Técnicas gaúchas, ao lerem este obituário irão voltar as lembranças para o Baile dos Formandos, uma festa de auto-estima de que tenham participado, promovida por Antônio Vasconcelos Marques.
Antônio foi presidente e fundador da Sociedade Cultural Estrela do Oriente que desenvolvia suas atividades na Rua Vice-Almirante Abreu.
Em sua cidade, participava ativamente da vida social e cultural da negritude, organizando festas, promovendo palestras. Freqüentava também a Sociedade Floresta Aurora Riograndina e outras expressivas entidades sociais como “Braço é Braço” e “Recreio Operário”.
Entusiasmado com o futebol, fundou e presidiu o Fortaleza Futebol Clube, com sede na rua Francisco Marques.
Referia-se com muito respeito ao Cedro, um bairro que, com o advento do Porto Novo de Rio Grande, foi sendo formado por muita gente vinda do interior do Rio Grande do Sul, com grande quantidade de famílias negras.
Antônio Vasconcelos Marques, viúvo há poucos meses antes da partida, deixa entre nós a filha Franquilina Maria Corrêa Marques Cardoso, os filhos Antonio Carlos Corrêa Marques e Angelo Albertino Corrêa Marques
Representou uma bandeira de luta pela família, pela auto-estima da população negra e pela crença de que todos e todas precisam de oportunidades iguais, para desenvolvimento de seus talentos.
A quem não estava acostumado a ler um obituário assim tão extenso, exponho minhas considerações de que, sendo este um jornal da negritude; e eu, a dona do editorial, uma negra pobre que não esquece das origens, há de convir que precisam ser destacadas as ações afirmativas dos cidadãos negros que outros jornais não o fazem, nem em vida... muito menos, na morte.
Antônio Vasconcelos Marques, descanse em paz, amém!
Nasceu em 5-09-1907
Faleceu em 22-04-1988
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