A CASA DO OSCAR

Wednesday, November 01, 2006

VIDA DE NEGRO: MÃE MARIA

Você conhece a história de Mãe Maria? Sabe quem foi esta mulher negra, cristã, líder de uma comunidade negra no litoral gaúcho? Se não imagina a existência dela, leia abaixo esta interessante pesquisa feita sobre esta história de uma mulher negra, líder. Mais uma personagem de uma história esquecida e pouco falada, a história de um negro: Vida de Negro, nossa raiz e nossa gente:


Mãe Maria

Uma mulher Africna evangélica, com fé em Cristo. A jovem Maria, da Nação Nagô, entrou no Brasil por volta de 1846. Foi adquirida, no mercado de escravos de Porto Alegre, pelo pastor Carlos Leopoldo Voges. Ela passou a serví-lo, na casa pastoral, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul.

"Mãe Maria" veio a ser a líder dos negros da Colônia de Três Forquilhas, até a sua morte que ocorreu em 1894."Mãe Maria" nasceu na África, por volta de 1825. A única informação mais precisa sobre o seu povo de origem é o Livro do Registro Eclesiástico mantido pelo pastor Voges. Ali consta ter ela sido proveniente da "Nação Nagô". Nada mais se sabe.

Os primeiros anos de Maria, na casa pastoral, na Colônia de Três Forquilhas, foram voltados para a adaptação à casa do seu senhor. Ela teve que frequentar aulas, ministradas por Dona Elisabetha, esposa do pastor. Foi alfabetizada em língua alemã. O motivo era o de permitir uma melhor comunicação com a patroa.Conta a tradição oral, que o “Pátio do Engenho” do pastor Voges passara a ser o local de reuniões, escolhido por Maria, da nação nagô, quando ela decidira orientar os afro-descendentes da Colônia. Esse “Pátio do Engenho” situava-se a aproximadamente 15 metros da igreja, nos fundos da casa do pastor Voges. O pátio era protegido por um pequeno taquaral e um centenário e frondoso cedro vermelho, sob cuja sombra Maria falava com os seus descendentes e vizinhos negros.

Por volta de 1860, ela solicitara autorização para ensinar seus filhos, os filhos de outras escravas da vizinhança e até mesmo mulheres e homens adultos. Maria nascera na África por volta de 1825 e fora trazida ao Brasil em 1846, ocasião em que o pastor Voges a adquirira. Os primeiros anos haviam sido voltados à adaptação à casa do pastor. Ela tivera que freqüentar as aulas de Dona Elisabetha para ser alfabetizada e para aprender a língua alemã. O motivo principal teria sido a simples necessidade de permitir uma melhor comunicação dos donos com ela. Maria teria, desde a chegada, a absoluta confiança de Dona Elisabetha.

Igualmente os negros da Colônia passariam a tê-la como sua líder. Os afro-descendentes passariam a chamá-la de “Mãe Maria”, em sinal de submissão e respeito.Ouvindo tal relato imaginamos Mãe Maria, por volta de 1860, com 15 anos de vida no Brasil, começando a observar as diferenças entre o seu povo de origem e essa gente da Colônia Alemã.

Simone de Beauvoir, no livro Segundo sexo (1949), afirma: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Algo assim deve ter acontecido com Mãe Maria. Na África, ela não tivera consciência de sua negritude. Ela fora apenas uma mulher, na nação nagô, em meio a tantas outras tribos ou nações africanas.Essa consciência de sua negritude certamente só aflorara aos poucos. Em 1860, parece que ela se tornava uma negra consciente de sua condição africana, interessada na sua própria história, língua e costumes.

Ela desejava ensinar essas raízes e esses costumes dos ancestrais aos seus filhos e a outras negras.Nas reuniões, ela não contava apenas histórias. Ela fazia questão de cantar e de ensinar passos de dança, do costume nagô. No princípio, o pastor Voges, a esposa, os filhos e netos, e alguns vizinhos, teriam ido ver e ouvir, com curiosidade, o que ali se fazia. Porém, logo tudo caíra numa rotina, como se tudo passasse a fazer parte da vida normal dos fins de semana, sem mais despertar uma atenção maior.

Os afro-descendentes reuniram-se com certa regularidade no “Pátio do Engenho”, sob a liderança de Mãe Maria, até que sobreveio a Revolução Federalista, que afetaria a vida de toda a população. Tudo acabaria de repente. Na mesma época da Revolução, uma terrível epidemia se abateu sobre a Colônia de Três Forquilhas. Pastor Voges seria vitimado pelo mal em 1893 e Dona Elisabetha e Mãe Maria em 1894. Inúmeros outros afro-descendentes e familiares de colonos de origem alemã também pereceram.5

A influência de Mãe Maria

Mãe Maria deixara marcante influência na casa do pastor, na vida dos filhos, netos e bisnetos do pastor e nos negros da Colônia. Nem fora tanto assim pelas reuniões no “Pátio do Engenho”. Mais decisiva teria sido o serviço que ela prestara dentro da casa pastoral e nas festas da Igreja.Mãe Maria distinguira-se como cozinheira e doceira. Além do trivial exigido pela patroa, ela preparava, em dias especiais, manjares e iguarias jamais vistos. Lamentavelmente não existem receitas anotadas.

A tradição oral (FHO nº 01) apenas soube informar sobre alguns dos ingredientes usados por Mãe Maria nas diferentes receitas. Ela utilizava mel e leite de vaca, leite de milho verde, frutas silvestres, açúcar mascavo. Ou então utilizava o fubá para fazer guloseimas. Também com aipim raspado e outros ingredientes ela preparava uma gostosa comida. Tudo era disputado não só pelas crianças, mas até pelos adultos. Mãe Maria também sabia preparar afrodisíacos, alguns tendo na composição ervas do campo, outros mel ou ovos de pássaro. Quem teria feito uso desses afrodisíacos? O pastor e esposa?Diante dos afro-descendentes, Mãe Maria passaria a ser uma espécie de curandeira e sacerdotisa.

Ela receitava chás e xaropes que ela mesma preparava, feitos de folhas, ervas ou raízes de plantas medicinais. Fazia rezas e tratava a todos os doentes e carentes com muito amor. Na casa do pastor e na igreja, porém, ela se declarava como sendo uma mulher evangélica, com fé em Cristo.

Muitas vezes, ela teria expressado o desejo de ver um filho ou outros descendentes dela, preparando-se para ser pastor, e seguir os passos do velho Voges.6 -

A descendência de Mãe Maria na Igreja Evangélica

Luterana, Mãe Maria teve cinco filhos, conforme o Registro Eclesiástico: Anton (18.11.1847), Johannes Heinrich (20.02.1850), Rosária (28.09.1852), Manoel (21.10.1854), Amália (20.09.1855). Rosária seria a sucessora de Mãe Maria depois de 1894. Casada com Negro Vicente, ela daria os seguintes netos para Mãe Maria: Ritha (09.08.1869), Luciano (14.09.1871), Carlina ou “Candinha” (1872).

“Candinha” seria a sucessora de Rosária. Casada com o liberto João Moreira, ela daria os seguintes bisnetos para Mãe Maria: Arthur (07.06.1889), Maria Antonia (30.07.1890).Maria Antonia, já na casa do Coronel Carlos Frederico Voges Sobrinho (neto do pastor), daria as seguintes trinetas para Mãe Maria: Osvaldina e Olga.Osvaldina daria para Mãe Maria os seguintes tetranetos: Benoni e Sadi.Sadi Moreira ingressaria na Faculdade de Teologia da IECLB em 1969. Por força das circunstâncias, em uma época ainda por demais germanista, de uma Igreja incapaz de aceitar um pastor de origem negra, ele seria aconselhado a tornar-se diácono.
Atualmente ele atua em Panambi-RS.

Um breve ensaio de uma pastoral para afro-descendentes

Em 1899, a Comunidade Evangélica de Três Forquilhas passaria a contar com o trabalho do pastor Ernst Theodor Lechler. Ele se revelaria um ministro eclesiástico com uma visão extraordinária, ao decidir dar aos afro-descendentes uma atenção privilegiada, reconhecendo a grande riqueza que os mesmos representavam para a Igreja.Organizou um coral integrado exclusivamente por afro-descendentes e passou a realizar cultos especiais para a população negra da Colônia de Três Forquilhas, bastante numerosa.

A tradição oral informa (FHO nº 02) que o templo tornava-se pequeno quando se realizavam os cultos para negros. Eram centenas de homens, mulheres e crianças que acorriam muito mais para ver os irmãos e amigos cantando no coral, do que para ouvir o pastor.Interessante é o relato sobre os ensaios do coral. Os cânticos eram tanto em língua alemã como em português. Uma vez que a maioria dos afro-descendentes não dominava a língua alemã, o pastor apenas ensaiava cânones ou estribilhos em língua alemã. O peso maior teria sido para cânticos em português.

Um dia desses, em meio a um ensaio de rotina, o pastor teria constatado que alguém estava destoando. Passando bem devagar pelas fileiras de cantores e aguçando o ouvido, teria localizado aquele que estivera totalmente fora do tom. Ao invés de cantar “O lasset uns anbeten” (em português, seria “Ó vinde e adoremos” – HPD nº 17), ele teria cantado “O laço de São Pedro”.O Pastor Lechler transferiu-se para a cidade de Santa Cruz do Sul em 1907. Seu sucessor simplesmente teria abolido esse trabalho dedicado aos afro-descendentes.

Fontes bibliográficas
- Livro do Registro de Batismos nº 01, da Comunidade Evangélica de Três Forquilhas.- MÜLLER, Elio E. Três Forquilhas: 1826-1899. Curitiba : Fonte, 1992.MÜLLER, Elio E. Três Forquilhas: 1900-- 1949. Curitiba : Italprint, 1993.

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