ARTIGO: A FUNÇÃO SOCIAL DE COMUNICAR PARA UM BRASIL MISCIGENADO
"O racismo só será combatido se nós combatermos o medo. Calar é concordar, é confirmar é ratificar a discriminação. Somos um caldeirão de raças, somos uma pátria democrática. Somos o país do hoje, do agora e para sempre."
Foi com este convite que tive o prazer de iniciar a palestra ministrada no XX Encontro Afro Alagoano de Educação, realizado no dia 25 de maio último em Maceió, Alagoas. O convite na verdade foi uma provocação positiva. Um momento salutar para se mobilizar educadores para incorporarem em suas vidas e em seus projetos de cidadania o desejo de serem agentes construtores da igualdade racial. Não só em sala de aula, mas também na vida, o papel do educador é nobre e sublime. Nobre porque é uma nobreza a vocação de ensinar e educar. É realmente sublime a responsabilidade de, por vários momentos do dia, o professor ser uma referência paterna e até materna aos seus alunos. É na maior parte do dia que nossos filhos e filhas convivem com os seus professores, seja na escola, seja em atividades extracurriculares.
É um desafio e foi realmente uma tarefa árdua falar sobre a Função Social da Comunicação em um Brasil Miscigenado. A oportunidade de debater e de apresentar dados e informações aos educadores valeu para mim como a promoção de uma mea culpa. Valeu para mostrar a desfunção social que os veículos de comunicação e, por muitas vezes, nós jornalistas deixamos de falar em nossas pautas sobre as especificidades e curiosidades de um país que é miscigenado.
Não conhecemos e não sabemos, muitas vezes, que mais de 80 milhões de brasileiros de norte a sul não negros, são afro-descendentes. E aí, como ficamos? Não ficamos. Reproduzimos discursos patronais e produzimos reportagens eurocentristas. Nossa preocupação, como jornalistas e escravos do tempo e dos fatos, fica muitas vezes voltada a informar os nossos telespectadores, por exemplo, que é mais vantajoso aproveitar as férias e fazer um cruzeiro de navio. Ou então visitar as Bahamas e conhecer suas preciosas praias. Não valeria nós, como bons brasileiros, recomendar ao nosso turista uma visita à Serra da Barriga, em União dos Palmares e após um belo passeio pelo mar e as paisagens de Maragogi, em Alagoas? Com certeza, valeria.
Não cumprimos nossa função social de informar e de valorizar a riqueza nacional quando desconhecemos e fazemos vistas a não considerara que pretos e pardos, com 10 anos ou mais possuem menor escolaridade que os brancos, enquanto apenas 3,1% da população branca eram sem instrução ou com menos de um ano de estudo, 8,3% da população preta e parda se encontravam nessa mesma situação.
Nossa desfunção vai ainda além. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, enquanto a população branca vive, em média, até os 71 anos, a negra morre aos 66 anos. Na mortalidade infantil, o quadro é semelhante. De cada mil bebês brancos, cerca de 23 morrem antes de completar 1 ano. Já entre os negros, esse número sobe para 38.
Deixamos de frisar e de chamar ao debate social, a exclusão do negro no Mercado de Trabalho. Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, embora representem 33% da população, os afrodescendentes ocupam apenas 4,4% desses cargos.
Em Salvador, cidade que tem 81,8% da sua população negra, apenas 10,3% ocupam cargos de chefia. Empresas com bons salários não tem o hábito de contratar negros e, quando o fazem, é para funções menos qualificadas e remunerações inferiores. Quando conseguem furar as barreiras de acesso, os negros ganham menos - em média, a metade de um trabalhador não-negro. Dados do DIEESE mostram que apenas 54,5% do salário de um trabalhador não-negro.
Na hora de promover a depuração e o questionamento sobre nosso papel midiático perante o racismo, aí mesmo é que procuramos esconder nossas falhas, justificando prioridades outras ao invés de falarmos sobre discriminação, segregação e não-inclusão. Mas acordados, alguns profissionais da Comunicação vão a campo e mostram dados. A programação atual das TV´s brasileiras expressa uma invisibilidade do negro brasileiro, seja em seu conteúdo, seja no número de profissionais negros que atuam.
Nas TV´s públicas brasileiras expressa um baixo perfil de reflexão sobre o pluralismo cultural brasileiro. Ao analisar a programação da TV pública brasileira, a Fundação Cultural Palmares/Ministério da Cultura, constata que 86% dos apresentadores das emissoras estatais são brancos e 93,3% dos jornalistas são também de origem européia.
Tal invisibilidade também é vista na mídia impressa, no rádio e na publicidade. São pequenas as inserções dos negros em temas culturais, políticos e econômicos. Sempre que mostrada, a população negra é apresentada em condições de submissão e inferioridade.
Somos ainda cúmplices em deixar que nossos livros escolares e tudo aquilo que circula no campo da formação e informação, leve ao nosso leitor uma visão romântica da abolição da escravatura, como se a mesma fosse feita com o propósito de dar justiça e liberdade a tantos negros que com o sangue defenderam o direito a vida. Vale lembrar e não esquecer que quando finalmente foi decretada abolição da escravatura não se realizaram projetos de assistência ou leis para a facilitação da inclusão dos negros a sociedade, fazendo com que continuassem sendo tratados como inferiores e tendo traços de sua cultura e religião marginalizados, criando danos aos afro-descendentes até os dias atuais.
Chamo atenção para a reação que nós, comunicadores, devemos provocar em nossa sociedade. E temos sim os professores como importantes aliados e parceiros nesta luta. Para isso, os educadores devem, em sala de aula:
Promover juntos aos alunos a LEITURA de notícias e artigos publicados em mídia impressa (jornais, revistas) sobre o tema racismo e desigualdade social;
Os alunos jovens devem ter ser estimulados a realizar a ANÁLISE crítica das publicações (debates, atividades em grupo, painéis em sala de aula e também entre professores);
É missão do educador DESENVOLVER no aluno o desejo pela produção escrita de textos, composições, histórias em quadrinhos sobre o tema racismo, a partir do que assistem na TV, ouvem no RÁDIO e lêem em JORNAIS, REVISTAS E INTERNET;
O professor (a) também pode PROMOVER a inserção da comunidade escolar junto aos veículos locais de comunicação, com sugestões de temas para a pauta sobre inclusão racial, envio de correspondências e pedido de divulgação e até mesmo contato direto, por telefone e por e-mail junto a jornalistas, editores, diretores de emissoras e também de jornais.
Devemos sempre lembrar que os veículos de comunicação são uma concessão pública. Não são propriedade exclusiva de empresários. Portanto, como concessão pública devem respeitar e assegurar a pluralidade cultural em suas programações.
A sociedade brasileira deve ser cidadã, deve exigir o debate pleno sobre o racismo na mídia e denunciar ações preconceituosas e discriminatórias. Denunciar ao Ministério Público e também as entidades de proteção e valorização dos Direitos Humanos.
Comunicar para um Brasil Miscigenado deve sim partir de uma reação de nossa sociedade ao conteúdo enlatado e europeu das novelas e dos noticiários. Os padrões de beleza de nosso país são milhares. E esteticamente não estrão retratados. Vale questionar? Vale, mas, acima de tudo, vale mobilizar. Educadores, mãos à obra.
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