CABELO RUIM: NOSSO CABELO É BOM
Foi com alegria que recebi, de presente, a cartilha Cabelo Ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar. O trabalho foi lançado em setembro último pela jornalista Neusa Baptista Pinto. Jornalista e militante pela Igualdade Racial e também pela inclusão da Mulher no Mato Grosso, Neusa Baptista usa de um vocabulário positivo e suave para levar até as crianças, a valorização da sua identidade e da sua cidadania ao tratar como exemplo a questao do cabelo crespo como um tipo de cabelo "não aceitável" pelos padrões arianos de beleza que regem o nosso país. Cabelo Ruim conta inúmeras histórias interessantes. Uma delas eu reproduzo neste espaço:
As Bonecas da Ritinha
Assim que chegou em casa depois da escola, Ritinha correu para o quarto. Em vez de fazer a tarefa, como sempre, abriu o armário onde ficavam as bonecas. Tinha muitas: umas sem braço, outras sem cabeça e outras sem roupa. Grandes, pequenas, novas, velhas.
Algumas, ainda na caixa, espiavam através do plástico, esperando o momento de começar a brincadeira.
A menina queria encontrar sua boneca preferida, uma noiva vestida de branco, muito magra, de nariz arrebitado, boca com baton vermelho e cabelo liso e loiro, descendo até as costas. Se chamava Sabina.
Quando era pequena, queria ser igual a Sabina: colocava uma camiseta na cabeça e fingia que era seu cabelo, liso e loiro, caindo pelas costas.
De repente, teve uma idéia. Foi tirando as bonecas do armário e enfileirando todas uma ao lado da outra. Olhou e olhou. Algumas tinham cabelo preto e liso, preto e encaracolado, loiro e curto, comprido e vermelho, tinha até cabelo azul e verde.
Mas nenhum dos cabelos era parecido com o seu. Não tinha nenhuma boneca de "cabelo ruim" nem com a pele escura... Por quê?
Por que durante todo esse tempo nunca tinha sentido falta de uma boneca assim?
Ritinha pensou muito, muito e não achou a resposta. Pela primeira vez, esqueceu de fazer a tarefa.
Abaixo desta história, reproduzo alguns trechos da entrevista que fiz com Neusa Baptista Pinto, na ocasião do lançamento de seu livro, na Feira Latinoamericana de Literatura, em Cuiabá, MT.
"Gostaria que todas nós mulheres negras pudéssemos ter opções na vida. Mas não temos. Toda vez que passo por um balcão de lanchonete e vejo uma negrinha atendendo ou limpando o chão, penso "Podia ser eu ali". Na verdade, pela lógica perversa do racismo e da exclusão social, eu "devia" estar ali, mas escolhi outro lugar. Porque sempre gostei muito de escrever, de pensar, de ler. Só que não se trata apenas de escolha pessoal, como muitos insistem em afirmar. Isso seria negar o racismo e a exclusão dos negros no Brasil".
"O livro "Cabelo Ruim?" sou eu, é a minha história de criança. E de muitas outras crianças negras por esse Brasil afora, minhas irmãs, minhas primas. Nossa tolerância ao racismo cordial não considera "bombril" , "cabelo ruim" ou "pixaim" como ofensas graves. Muitos professores consideram que os apelidos ou xingamentos entre os alunos são apenas brincadeiras e que não se deve levá-las a sério. Mas dói muito para uma criança saber que seu cabelo simplesmente é INADEQUADO, assim como a cor de sua pele".
"Acredito que a baixa auto-estima, no caso de nós negros, tem um componente interno e um externo também. Entre as frases que mais me irritam está a clássica "Mas os próprios negros se discriminam". É claro, é lógico que, em um ambiente em que eu não me vejo como modelo de beleza, em que meu cabelo é mostrado como um "problema" (dias atrás vi numa revista um anúncio de alisante com a frase "Cabelo crespo tem solução"!), onde meu nariz achatado é considerado feio, a tendência é que eu me ache feia! Pode ser porque eu já tenha uma auto-estima frágil? Pode! Mas essa avalanche exterior faz um estrago danado principalmente na cabeça das crianças. Isso não se pode negar".
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