A CASA DO OSCAR

Friday, June 08, 2007

MINISTRA MATILDE RIBEIRO FALA QUE RACISMO PRECISA SER SUPERADO

A ministra da Igualdade Racial Matilde Ribeiro, mestre em psicologia social e doutoranda em serviço social, tem uma longa trajetória junto ao movimento negro e de mulheres. Ocupa a Secretaria Especial de Promoção das Políticas de Igualdade Racial (Seppir) desde que foi criada, em 2003, tratando de temas polêmicos no debate sobre a questão racial no País. Matilde Ribeiro concedeu entrevista ao jornal Em Questão (www.brasil.gov.br/emquestão), no qual fala sobre o papel da Seppir, das polêmicas que envolvem os assuntos pertinentes a sua pasta e os resultados obtidos nestes quase quatro anos e meio de atuação. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Em Questão - Qual a importância de uma Secretaria Especial, com status de ministério, na estrutura do governo federal?

Matilde Ribeiro - É a primeira vez que o governo federal cria um órgão com status de ministério para formular e desenvolver uma série de políticas públicas para combater o racismo e superar as desigualdades raciais, isso por si já é um avanço. Desde 2003, portanto, começamos a traçar uma política nacional para a promoção da igualdade racial. E é importante ressaltar que a Seppir não executa ações diretamente e sim articula, com os demais ministérios, a política de igualdade racial.

Em Questão - E qual o foco das ações da secretaria?
Matilde Ribeiro - A Seppir fomenta políticas para a superação do racismo e promoção da igualdade racial, atendendo a demandas dos grupos discriminados do ponto de vista racial e étnico, a considerar também os componentes históricos, culturais e políticos com ênfase na relação com a população negra, mas com atenção aos povos indígenas, ciganos, judeus, árabes e palestinos. A atuação se concretiza em torno das políticas para comunidades tradicionais, entre elas quilombos, terreiros, indígenas, ciganos e segurança alimentar e nutricional. As políticas de ações afirmativas se desenvolvem através de áreas como educação e cidadania; desenvolvimento, trabalho e renda; saúde e qualidade de vida; cultura, organização e diversidade. E um dos principais focos está na política para comunidade de quilombos. Em 2002, eram identificados no Brasil 743 quilombos, hoje este número ultrapassa 3.400 quilombos. Nestes quatro anos, concedeu-se a titulação de 31 comunidades, quantidade que precisa ser ampliada e muito.

Em Questão - Quais as principais políticas voltadas aos quilombolas?
Matilde Ribeiro - Eu destaco três delas, entre outras. O Luz para Todos, onde levamos a eletrificação para dezenas de quilombos e nossa meta é até 2008 alcançar a totalidade das comunidades. Temos, num trabalho conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), a concessão do Bolsa-Família aos moradores dos quilombos em grande parte dos estados brasileiros. E, também, o Programa de Alfabetização de Adultos, devendo beneficiar 13 mil quilombolas em quatro estados e cuja ação, feita em parceria com o Ministério da Educação (MEC), é crescente. A novidade, em termos de gestão pública, é a orquestração destas ações, ou seja, os processos de regularização fundiária juntamente com a chegada das políticas públicas nessas comunidades.

Em Questão - Neste governo houve uma aproximação significativa com os países africanos. Como estão os intercâmbios internacionais no que diz respeito à promoção da igualdade racial?
Matilde Ribeiro - Sem dúvida, é um investimento grande na área de relações internacionais. No dia 25 de maio foi o "Dia da África" e o presidente Lula recebeu embaixadores daquele continente, quando reafirmou a importância da nossa aproximação com os países africanos. Seja através de intercâmbios sociais e culturais, mas acima de tudo no estabelecimento de parcerias visando ao desenvolvimento social e econômico.

Em Questão - Há algo de destaque nesta aproximação?
Matilde Ribeiro - Neste momento, estamos formatando termos de cooperação visando ao fortalecimento das políticas de inclusão junto a quatro países: Senegal, Cabo Verde, Moçambique e Angola. E, conforme uma fala importante do presidente Lula, a aproximação com o continente africano contribui para o reconhecimento de que o racismo existe no Brasil e precisa ser superado.

Em Questão - Como está a aplicação da lei que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas, uma das primeiras medidas desta gestão ao tomar posse, em 2003?
Matilde Ribeiro - Essa ação é coordenada pelo Ministério da Educação, com o apoio da Seppir. Ainda não conseguimos chegar na ponta, em todas as escolas do País, mas estamos em processo de capacitação dos professores e revisão dos materiais didáticos. Temos uma experiência que considero bastante exitosa, o projeto A Cor da Cultura, que envolve vários parceiros dentro e fora do governo, como Petrobras, Mininstério da Cultura e Cidan (Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro). Por ele, são feitos audiovisuais para capacitação e apoio aos professores para ensino da História da África, que é inclusive divulgado pelo Canal Futura e a Fundação Roberto Marinho.

Em Questão - O governo federal, em seu projeto de implantação da TV Pública, tem afirmado a necessidade de contarmos, inclusive, com correspondentes na África.
Matilde Ribeiro - É uma medida extremamente importante. Há um desconhecimento muito grande sobre o que é o continente africano tem desenvolvimento, indústrias, cultura latente, enfim, tem vida civilizatória. E trata-se de um desconhecimento mútuo.

Em Questão - A discussão sobre racismo e ação afirmativa no Brasil é extremamente polêmica, com setores defendendo posições antagônicas sobre o assunto. Como fica, para a Seppir, os argumentos dos que defendem ser o problema de desigualdade social um problema antes social do que propriamente racial?
Matilde Ribeiro - A melhor definição sobre isso foi feita por Florestan Fernandes e Octavio Ianni, estudiosos dedicados a esta temática, que diziam não ser possível dissociar a desigualdade social do racismo fortemente existente em nosso país. A forma como foi a construção de nossa Nação, com uma escravidão que perdurou por quase quatro séculos e com quase 120 anos de abolição, sem que houvéssemos tido um trabalho de inclusão social destas populações, traduz hoje porque os negros - e também os indígenas em outra esfera - são os mais pobres entre os pobres. Portanto, é muito difícil separar a pobreza da discriminação racial. Quanto mais se olha para a periferia, para as favelas, percebe-se que a maioria das pessoas é negra. Por outro lado, os negros, mesmo os que não estão em condições empobrecidas, são discriminados por serem negros.

Em Questão - Qual o balanço que pode ser feito em função do sistema de cotas no ensino, que ainda gera muita polêmica na sociedade?

Matilde Ribeiro - Setores conservadores, com reações muito contundentes, afirmam que o governo ao desenvolver ações afirmativas como a política de cotas está deixando de praticar uma política de caráter universalista. Hoje existem cerca de 40 universidades que adotaram as cotas, independentemente da aprovação da lei sobre o tema, que tramita no Congresso (projeto de lei nº 73/99 prevê a reserva de 50% das vagas das universidades para egressos do ensino público, considerando o percentual de negros e indígenas em cada unidade da federação). Os resultados até agora são bastante animadores. Os alunos que entraram no ensino superior têm tido desempenho igual ou superior aos demais. Percebe-se que quando é dada uma oportunidade a quem nunca teve, a pessoa agarra essa oportunidade como sendo ímpar na sua vida e se esforça ao máximo para aproveitá-la.

Em Questão - Qual o trabalho da Seppir com os demais segmentos, como os ciganos, indígenas?

Matilde Ribeiro - Também é missão da Seppir atender demandas históricas de grupos que vivem discriminação do ponto de vista racial, étnico e cultural. No caso dos indígenas, acompanhamos diretamente as ações da Funai (Fundação Nacional do Índio) e incluímos as representações indígenas no desenho da política de igualdade racial, fortalecendo programas de educação, saúde, emissão de documentos e contribuindo para o fortalecimento da cidadania deste setor. No último 24 de maio, pela primeira vez, foi comemorado o Dia Nacional do Cigano - instituído por decreto presidencial. As estatísticas apontam para a existência de 600 mil ciganos no Brasil e, até pouco tempo, não havia nenhum registro sobre o povo cigano.Fomos procurados por eles, fizemos um diagnóstico da situação, identificamos as demandas e estamos agindo para incluí-los na agenda social do País, tornando-os beneficiários dos programas Bolsa-Família, Saúde da Família.

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